terça-feira, setembro 28, 2010

Sobre os percursos da toxidade muscular


                                                                                             Fabio Puentes: hipnólogo quase famoso de algum país latino 
                                                                                              (suponho eu) cuja técnica de credibilidade questionável faz 
                                                                                                cebolas parecerem maçãs e humanos se tornarem amebas.

Fim de ano se aproximando muito rápido com um projeto de mestrado incompleto e vários milhares de abacaxis pra descascar no trabalho com ética e empatia: dor fininha no músculo do pescoço. Algumas possibilidades de demissão no trabalho sendo que eu, por delírios persecutórios ou por pura e simplesmente fazer parte do quadro de funcionários, sou possibilidade: torcicolo super-dolorido-filho da puta. Confirmação de demissão de um colega de trabalho no dia seguinte: torcicolo super-hiper-mega-ultra-über-insuportavelmente-dolorido-filho da puta. Medidas paliativas de auto-medicação teimosa com Salonpas e Dorflex: alívio relativo por 24 minutos acompanhado por pensamento automático sobre auto-medicação durante tratamento de doença renal “E se eu não puder misturar ciclosporina com dipirona? Me fodi. Será que eu vou morrer?”. Verificação da bula de ciclosporina que diz “a administração concomitante de ciclosporina com dipirona pode causar toxidade muscular” acompanhado de pensamento automático “Eita porra! Me fodi mesmo de verde e amarelo. Mas acho que não dar pra morrer, não”: Tensão incômoda nos ombros. Chefe liga, nitidamente alterado, pedindo um relatório impossível que deverá ser entregue em uma semana: dor intensa na musculatura dos ombros que se espalha gradativamente por braços e costas e promete se converter em dores crônicas toda vez que eu estiver sob pressão na vida até o dia da minha morte, acompanhada de pensamento automático “Agora sim. Vou ser demitida porque não consigo uma façanha dessas nem se brotarem dez braços em 20 segundos”.

Eu não consigo mais cuidar de ninguém. [E isso é só um desabafo não definitivo que não fará nenhum sentido em dois dias de sono recuperado]. Há dias em que eu não consigo dar conta de entender a perspectiva do outro. Há dias em que a empatia não chega até mim porque foi sufocada pelo cansaço físico e mental. É um desgaste total da boa vontade de um ser humano. Tem dia que meu cérebro se reduz ao tamanho de uma ervilha. E quando meu cérebro fica do tamanho de uma ervilha é inevitável pensar sobre a leveza e a simplicidade da existência de uma ameba. E quanto mais imagino mais desejo ser uma. De pseudópode em pseudópode com o único objetivo de chegar a lugar nenhum. Daria qualquer coisa pelo conforto da falta de consciência de uma ameba. Embotamento afetivo em 3,2,1...

[E num momento “Cuidado com o que deseja” Fabio Puentes se materializa em minha frente, leva a mão aos meus olhos, fechando-o num impulso e profere as palavras mágicas: “Ahora não eres mais humana. Eres uma ameba... un, dos, tres....quando abrir los olhos terás se convertido em uma feliz ameba.”]

segunda-feira, setembro 27, 2010

Sobre as (in)verdades da vida virtual-real-virtual-real...


[...] nenhum ser humano suporta o real se não trabalhá-lo simbolicamente, se não aplacar sua estranheza através da dotação de sentido e de significado [...]
ALBUQUERQUE JÚNIOR (p.27:2007)

Não se enganem, queridos leitores, ao achar que tudo o que há aqui é a mais pura verdade. Na verdade é verdade. Só que uma verdade inventada, recriada, floreada e perfumada com exagero. Porque a vida, meus caros, crua, sem recursos de percepção é sem graça. O que torna a vida melhor é o olhar que damos a ela. É um trabalho criativo, realizado com lentes de aumento coloridas. Tudo o que é registrado aqui são acontecimentos recontados pela fluidez dos delírios que fazem parte das memórias de uma criatura que não faz outra coisa na vida senão imaginar como as coisas poderiam ser ou teriam sido. É porque assim fica tudo mais bonito, mais poético e mais interessante. Este é um espaço que é partilhado por muitas vidas, por muitos alteregos e o que surge em documento, não passa de um híbrido de realidade-fantasia cujas fronteiras não se definem. Porque se eu não tiver espaço pra recriar a vida, pra consertar meus erros, pra ressignificar diálogos, decepções e perdas, pra tornar um evento qualquer passível de cair no esquecimento algo mais glorioso não vai adiantar escrever. Eu escrevo pra proporcionar outras leituras sobre a mesmice cotidiana. Eu escrevo pra não enlouquecer. Pra não adoecer. Por isso, eu não escrevo pra confirmar a existência que eu já tenho. Eu escrevo pra inventar uma vida mais sofisticada. Pra colocar um pouco de brilho no opaco. Pra tornar concreto o que eu sempre tive vontade de dizer e nunca disse pra pessoas que nunca souberam da minha existência. Eu escrevo, sobretudo, pra libertar os fantasmas do meu pensar que quase sempre é quase mais rápido que o Papa Léguas. Pronto! Acabei com o romance, com o florido e com o poético nesta última linha. Eis o meu pedaço de vida real neste texto.

segunda-feira, setembro 20, 2010

Sobre o Fantástico Mundo Moderno de Janna HistÉrica

"Ah, e eu sei fazer um homem rir e não é da minha cara".
TATI BERNARDI

Quando eu era criança pequena lá em Barbacena minhas fantasias giravam em torno de super-heróis e desenhos animados. Na minha imaginação os Changeman sempre estavam quase chegando pra me visitar e o Snoopy tava quase passando pra a gente dar uma volta de avião. Não que eu seja louca. Na verdade eu sou crédula demais. Minha mãe mentia pra suportar meu excesso de energia e eu acreditava porque nunca deixei de acreditar em nada que eu achasse bonito e justificável nessa vida. Nem os Changeman nem o Snoopy apareceram pra me buscar nesses dias de espera, mas esperar por eles tornava minhas tardes mais interessantes e movimentadas porque eram cheias de expectativas e frustrações e isso fez de mim uma adulta mais tolerante e resiliente.

Na minha adolescência eu acreditava que poderia morar com os Backstreet Boys numa mansão de luxo em Hollywood. Nos meus sonhos a gente se dava muito bem, se divertia um monte falando mal do N’Sync e eles sempre acatavam qualquer opinião minha sobre música ou coreografias rebolativas. Depois dos Backstreet Boys veio o Axl Rose e depois dele Kurt Cobain. Não é porque a pessoa morreu quando você nem namorava que não pode merecer uma dose de atenção. Um belo dia, antes de desconfiar que ele não me desejaria a menos que eu fosse a cara do Ben Affleck, eu me apaixonei perdidamente pelo Ricky Martin e nos meus sonhos, nós nos conheceríamos por acaso, na fila do supermercado, quando ele viesse pro Piauí se esconder da vida massacrante de Pop Star. Em mim ele encontraria toda a paz que o mundo de celebridades não era capaz de oferecer Foi por causa dessas pessoas que aperfeiçoei meu inglês, meu espanhol e comecei a fazer a sobrancelha.

Agora eu cresci. Sou uma adulta adoecida pela rotina. Mas minha imaginação continua ágil como nos velhos tempos. Hoje, imagino casos de amor intensos e cheios de profundidade com sujeitos não tão ilustres, mas inteligentes, bonitos, gentis e que entendem meu senso de humor. Nas minhas conversas imaginárias o homem da minha vida que eu encontrei despreocupadamente na fila do cinema racha o bico de rir das minhas piadas e trocadilhos. E me acha a pessoa mais inteligente, mais bem humorada, mais bonita e mais simples e complexa do mundo. E com ele eu não sou incoerente. E minha visão de mundo e de ser humano me faz ser as mulher mais compreensiva. E até minhas neuroses são charmosas e motivo pra que meu charme se espalhe pelo universo. E, nos meus sonhos, eu sou muito sexy porque nem quero ser sexy. E toda essa falta de intenção cria em torno de minha pessoa uma luz, um brilho, um quê de não-sei-mesmo-o-que-me-encanta-nesta-mulher. E iluminada, brilhante, reluzente, inundada de criatividade que escapole em piadas bem articuladas com conhecimento de cultura geral, Filosofia, Sociologia e Psicologia eu deixo este homem inebriado de paixão. Louco por mim. E nesse momento minha vaidade pede o que eu tanto critico: que ele acredite piamente que não saiba mais viver sem mim, que ele acredite que tenha nascido no dia em que me conheceu despreocupadamente na fila do cinema. E quando ele verbalizasse isso em declaração apaixonada eu, muito condescendente e lisonjeada, passaria a mão em seus cabelos e diria que não precisa ser assim. Que ele tem uma vida inteira antes de mim e que sou apenas mais uma que chegou para animar a festa. É nesse momento que selamos nosso romance de serenidade, cumplicidade e intensidade. Só pra rimar no caso de um dia qualquer, em estado de demência, eu querer fazer um poema.

Se não fosse minha imaginação, se não fosse meu mundo fantástico, eu estaria ferrada!

sexta-feira, setembro 17, 2010

Sobre dispositivos

"Não importa se só tocam o primeiro verso da canção. A gente escreve o resto sem muita pressa. Com muita precisão". (O Exército de um homem só - Engenheiros do Hawaii)



Dá vontade de chorar quando ouço minha professora de História da Educação. E não é só porque estou menstruada e vulnerável. É porque ela fala lindo. Ela é toda poética, sensível, artística e lírica. Ela fala com amor sobre tudo o que eu acredito e transborda esse amor em palavras bem colocadas. E é um amor tranqüilo, de voz baixa e mansa e não esse amor louco, ansioso, arrogante e pretensioso. E eu quero isso pra mim. Eu quero essa serenidade de quem sabe e não tem pressa em querer saber. Eu quero essa mansidão de conhecer com sentidos – tato, olfato, visão, paladar, audição – pra dar sentido. Eu quero saber ler nas entrelinhas e entender outras linguagens. Eu quero essa mansidão pra mim. Essa maciez de quem não tem pretensão de nada. Só quer sair do lugar.

quarta-feira, setembro 15, 2010

Sobre envelhecer na cidade em setembro e não estar nem um pouco mais sábia

"Mais velha e nem um pouco mais sábia" (Carrie Bradshaw - Sex and the city: 2ª temporada)


IRA, canta pra mim? Pelos velhos tempos, vai!
"Feliz aniversário. Envelheço na cidade".


VANUSA, canta pra mim? Mas não esquece a letra.
"Fui eu que consegui ficar e ir embora [...] nas manhãs de setembro".

E assim chega e vai embora mais um 16 de setembro: dia em que simplesmente envelheço e sou feliz.

terça-feira, setembro 14, 2010

Sobre o que não se pode evitar...

”[…] I want to feel forever young. I want to sing. To sing my song. I want to live in a world where I belong. I want to live. I will survive [...] If we turn […] Then we might learn”. (TURN: Travis - The Man Who)

"[...] Eu quero sentir-me jovem pra sempre. Eu quero cantar. Cantar minha canção. Eu quero viver num mundo ao qual eu pertença. Eu quero viver. Eu vou sobreviver [...] Se nós mudamos [...] então  nós aprendemos"(TURN: Travis - The Man Who)



Eu sei que sou a rainha do drama. Mas é porque sou histérica e toda histérica é assim. E sinto muitíssimo ter que dizer pros mais inocentes e desavisados que a maioria das pessoas que vocês conhecem é histérica, porque, caso contrário, elas seriam perversas ou psicóticas. Pois é. São só essas as opções. Eu sei que sou o exagero em forma de gente carente e insatisfeita. Mas o que há de tão incômodo no exagero? Tá bom. Tem gente que é leve e serena. Tem gente que é fácil de lidar e gostar. Tem gente que é muito melhor que eu. Tudo bem. Eu reconheço tudo isso. Eu reconheço que às vezes sou chata e teimosa. Sou absurda até doer na alma. Às vezes, querendo ser assertiva, falo um dialeto híbrido que mais parece grego com japonês. Sei que o meu medo de incomodar incomoda muito mais que o próprio incômodo porque traz uma série de mal entendidos. Eu sei que às vezes falo e escrevo demais. Mas agora que Saturno vem me visitar pela primeira vez e parece que vai ficar uns dois anos, descobri que ele é muito mais inconveniente que minhas manias. Eu não posso negar que ele tá me fazendo repensar um milhão de coisas. Minha mente fervilha de culpa e resoluções inesperadas e todo dia ganho surpresas autoconscientes. Pelo menos não posso reclamar de ócio. E (re)descobrindo que sou humana, cheguei à conclusão de que eu não preciso ter pressa pra consertar meus defeitos porque os defeitos são o tempero da vida. Olha que coisa magnífica. Agora quando reclamarem das minhas não-virtudes irei usar este argumento. Porque se defeito é tempero, tempero é Sazon e Sazon é amor, defeito também é amor. Amor de quem tem defeito e erra por causa disso. Amor de quem suporta os defeitos e fica até o fim. Saturno tá sendo uma pedra na minha sandália nova imaginária da Via Marte, mas tá cumprindo sua função. É isso o que ele faz. É pra isso que ele serve. E eu não vou boicotar o único emprego que ele tem, a única coisa que ele sabe fazer só porque acho bonito ser subversiva. Por isso, vou relaxar, deixar vir Saturno e levá-lo pra balada. Mas já que é pra vir, que traga presentes e que os presentes sejam anéis lindíssimos com esmeraldas, rubis e diamantes.

quinta-feira, setembro 09, 2010

Era uma vez...

...quatro amigas e uma história em comum. Primeiro eram quatro meninas e um rótulo pesado demais pra carregar, que lógico, acabou ficando pra trás. Eram quatro meninas e uma banda. Quatro meninas e uma perspectiva. Quatro meninas e conversas reveladoras na mesa da cozinha durante a madrugada. Quatro meninas e tardes inteiras de apoio, segredos e planos para o futuro. Depois as quatro meninas inseriram alguns personagens que, de coadjuvantes logo passaram ao título de protagonistas. E como acontece em todo roteiro, alguns personagens do elenco original se ressentiram com as mudanças que vieram pra desorganizar o que já estava perfeitamente organizado. Que coisa mais boba se ressentir com mudanças, ter ciúmes, querer que o tempo não pare. Que coisa mais boba sustentar uma luta vã. Mas, no fim das contas, tanta bobagem era a melhor qualidade que elas poderiam ter e era certamente o que as mantinha unidas. Com as mudanças vieram os ciúmes, com os ciúmes vieram os desentendimentos, com os desentendimentos vieram as mágoas e o que era uma história de seriado de mulherzinha acabou se tornando um reality show de gosto duvidoso. Uma das protagonistas do elenco original saiu de férias por um tempo, pra viver um amor novo e cheio de possibilidades. Foi sua ausência e não seu amor que trouxe uma série de incompreensões que só se justificavam pela falta e a falta só se justificava pelo nosso bem querer. Isto é certo! Como bem querer cega, deixa-nos míopes ou no mínimo embaça a visão, as coisas começaram a ficar muito feias. E o que era um reality show de gosto duvidoso acabou se tornando um filme de suspense. Como todo filme de suspense tem um final óbvio, nesse, o mistério foi desvendado e elas voltaram a ser personagens de seriado de mulherzinha outra vez até que outra personagem resolveu sair de férias por encontrar um amor novo, cheio de possibilidades e perepepê caixa de fósforo e o resto da história é fácil de supor. Como toda experiência marca, amplia o olhar e nos faz ver com mais clareza, dessa vez, os ressentimentos e insatisfações foram ressignificados e tratados de outra forma. Mais sutil, mais tolerante e isso trouxe ressentimentos e insatisfações pra aquela primeira personagem que saiu de férias pra viver seu novo amor. A partir daí a situação ficou insustentável, evoluiu para um drama que trazia presságios de um final nada feliz. E o que era comum deixou de ser suficiente. E o que era divergente não era mais compreendido. Era uma ameaça. Com a falta de compreensão do diferente acabou a tolerância. E quando não há mais tolerância o amor não dá mais conta de sustentar os defeitos. Uma delas deixou o elenco. Pediu demissão para investir em um spin-off e foi viver uma história só dela. Levou consigo um dos atores que era coadjuvante e depois passou a ser protagonista. Sobraram três. Três amigas que compartilham quase tudo. Não há mais conversas na mesa da cozinha durante a madrugada porque muita coisa mudou. Elas mudaram. Como cresceram, elas têm que acordar cedo no outro dia pra ir trabalhar. Também perceberam que amar não é ser uma coisa só. Agora são três amigas e uma banda. Três perspectivas. Três planos para um futuro que dá medo por ser imprevisível. Elas permaneceram com suas neuroses e limitações. Hoje protagonizam uma Dramédia. São felizes com seus personagens e acho até que as temporadas que virão terão vida longa. Essa história também traz seus saudosismos e coisas interessantes pra contar. Mas isso não é mais um conto de fadas. Isso é um conto de enfadadas. Quatro pessoas engolidas pelo cotidiano e pelo tempo que massacra. Quatro pessoas que já tiveram suas vidas ligadas. Poderia ser uma história com um final diferente, mas o roteiro acabou indo pros rumos de Quatro Amigas e um Funeral de uma vida compartilhada que foi bonita enquanto durou. Ainda não há nada confirmado sobre a continuação da saga. Não há rumores no ar, mas possibilidades não se descartam.


Fim....[?]

Roteirista: J.E.
Trilha sonora: Perfect Memory: Remy Zero (ÁLBUM: The Golden Hum)
Citação: "I'll remember you. And those things that we used to do. And the things that we used to say. I'll remember you that way."

segunda-feira, setembro 06, 2010

Sobre não-relacionamentos com sentido

“Nós dois juntos” daria uma história bonita pra caramba de contar. Mas somos incompatíveis. Ele culpa as mulheres por suas neuroses constituintes. Eu acredito que cada ser implicado na relação tem sua porção de responsabilidade. Ele vai direto ao ponto. Eu só sou seduzida e sei seduzir pelas sinuosidades. Nós somos contraditórios e é fato que, mais cedo ou mais tarde, minhas contradições o sufocariam e as contradições dele me fariam mal. Acho que nós somos amigos ao menos. Acho. É uma amizade estranha, sem intimidade, só com bem querer. Talvez seja justamente isso que nos mantenha salvos da complexidade e detalhes sórdidos da convivência. E por isso, não há nenhum tipo de ressentimento entre nós. Nenhum rancorzinho pra macular nossa não-relação. Porque não há mais nada, além do saudosismo e do gosto pela ironia, que nos mantenha ligados e justifique este relacionamento. Porque se houvesse mais profundidade do que isso as coisas não dariam tão certo. Eu tenho medo da crítica ácida dele. Ele talvez ache estranho meu jeito evasivo. Se é que ele desperdiça algum milésimo de segundo do tempo dele pra pensar no meu jeito evasivo. Nós rimos das nossas piadas com conteúdo (às vezes impróprios para menores) e temos um jeito especialmente cínico de nos tratar. Eu já escrevi poemas piegas de amor pra ele no meu diário adolescente. Hoje não escrevo mais poemas, nem piegas, nem em diários. Meu escrever agora é dedicado ao escárnio pelos relacionamentos cor de rosa de contos de fada inexistentes e às oportunidades de rir das minhas próprias desgraças. É é quase uma desgraça não crer mais em certas coisas. Acho que ele também não acredita em relacionamentos cor de rosa de contos de fada inexistentes e nisso somos parecidos. Mas eu aceito que sou limitada e tenho defeitos. Não posso responder por ele neste aspecto. Ele é uma coisa boa que remete a um tempo muito feliz da minha vida. E estende minha juventude de recordações. E nós envelhecemos juntos, no mesmo mês. Ele é a prova viva de que todo sentimento pode ser ressignificado. Que qualquer apego pueril pode transcender para admiração e boas lembranças sem que seja preciso carregar qualquer sombra de sofrimento. Ele confirma minhas crenças de que o único relacionamento saudável que é possível pra mim é aquele no qual não haja tanta aproximação, porque quando há aproximação eu enlouqueço de carência. Com ele eu me sinto meio-segura-meio-insegura, o que já é bom porque em qualquer outro relacionamento eu só me sinto meio-insegura-meio-desesperada. Com ele eu não sei o que esperar e nem espero. Porque é só no nosso não-relacionamento que eu me mantenho salva da selva dos sentimentos desgastantes e efêmeros. É difícil explicar, mas de um jeito ou de outro, na realidade da vida ou no meu diário adolescente, nós somos pra sempre.